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Sexta Feira

Deixo as crianças na escola logo cedo.


Avisei em casa que iria à feira depois, é o que faço às sextas-feiras. Ninguém nunca me pergunta qual é a feira, ninguém nunca me pergunta nada. Ando solta. Nem imaginam que a feira não é a do bairro, mas a do outro lado da cidade, a feira da Casa Norte, na Rua Lima de Freitas.


Também não entendo como é que cheguei lá pela primeira vez, acho que faz parte da minha mania de dirigir sozinha ouvindo música, quando estou só, sem ninguém pra me atazanar.


A feira da Casa Norte é bem feiosa, a rua sem árvores não ajuda. Os restos das frutas ficam espalhados no asfalto, sobra quase uma sopa no chão, um caldo. Não sinto o cheiro das carnes, dos peixes, nem chego até esse pedaço da feira, só me interessa a barraca de frutas que fica logo no começo.


Foi lá que vi você pela primeira vez. Com a camiseta branca cheia das nódoas das frutas e do seu próprio suor. Se me perguntarem se você é bonito vou dizer que não, feio, grandão. Você é forte e alto, mas bonito, bonito, você não é.


Negro, bem negro, eu gosto do seu cabelo batido, grudado na cabeça. Gosto mesmo é do seu cheiro doce. O suor que sai do seu corpo não estraga esse seu cheiro, perfuma.


Lembro daquele primeiro dia. Olhei para você carregando as caixas e comprei as frutas das mãos do seu patrão, fiquei tão nervosa que comprei tudo o que vi.


Pedi ao seu patrão a sua companhia até o carro. Ainda hoje, tanto tempo depois, eu rio quando lembro da pressa em jogar tudo (amassou as frutas, sabia?) dentro do carro.


Recordo e nem acredito na minha “cara de pau”. Eu que te convidei (percebi os seus olhos me vendo inteira) para irmos naquele hotel chechelento, que fica detrás da feira e você, tímido, respondeu baixinho:


- Vou dona, vou sim, e sorriu pra mim.


Peguei a chave do quarto de número quatro. É sempre no número quatro que a gente fica. Subimos às escadas. Sua vergonha deixou você. Antes de chegarmos ao quarto você já estava sem camisa. Adorei suas mãos - várias - esquentando meu corpo.


Nós não deitamos. Depois de tanto tempo, mais de ano, nunca temos tempo de deitar. A feira sempre espera por você.

O tempo que temos é o tempo de ajudar a “madame” a colocar as frutas no carro, não é Ismael?


Mas eu sei que não é só isso. Se deitar não conseguirei voltar para o outro pedaço de mim. A verdade, Ismael é que a semana custa a passar. Eu espero às sextas-feiras e quando chegam, de novo já se vão.


Nem sei por que cismei com você. Sabe que ultimamente eu não me lavo depois de te ver pra ver se te levo comigo por mais algumas horas?


Eu queria entender por que seu suor é doce, por que seu gosto combina com o meu, por que mesmo sem voz é com você que encontro comigo.


Sabe do que mais gosto Ismael?


De dizer seu nome. Quando chego à feira, no momento em que desço do carro, e avanço pela rua, você me enxerga de longe, me achando linda, me acha linda não é, Ismael?


Tem outra coisa engraçada. Quando você me morde eu fico com a tatuagem que deixa em mim, torço para que ela não desapareça até o nosso próximo encontro, pra você me ver ainda com ela.


Você fala pouco, mas me disse o que eu não esqueço de lembrar, que agora, estamos contaminados e perdidos e eu, Ismael, não tenho idéia de como resolver isso.

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